Sobre como me tornei meu pai

Talvez ele não saiba, ou finja não saber, mas eu sou ele, meu pai. Não só carrego seu sobrenome, e não é sem motivos o grande orgulho disto, pois tenho ele em mim, em algum lugar aqui, que eu, até então, também não sabia.

Levei vinte e sete anos para entender meu pai, aquele homem que sempre estava sério, porque tinha que mostrar quem manda, quem é o eixo principal deste jogo chamado família. Minha mãe sempre foi braços abertos e sorriso largo, o que sempre me acolheu com mais facilidade, sempre me deixou mais à vontade para falar sobre tantos assuntos que eu jamais consegui expôr para meu pai. Ela sempre foi minha amiga. Ele sempre foi meu modelo. Ela, é coração. Ele, é razão.

Apesar de sério, sempre vi nele o meu super heroi. Foi ele quem segurou a minha mão direita quando, aos treze anos, me vi deitada em uma maca de hospital enquanto um médico e um enfermeiro cuidavam do meu braço esquerdo, quebrado (porque não ouvi minha mãe e insisti em andar de patins mais um pouco na rua, mesmo já sendo tarde). Naquele momento ele conseguiu ser sério e acolhedor ao mesmo tempo, sem ter que se derreter todo para me comover. Vi, na sua bravura, que se ele estava ali, forte, então eu não teria o que temer.

Quando me tornei adolescente, quis ganhar o mundo. Coloquei na cabeça que viria para os EUA e não importava quando. A única frase dita pelo meu pai foi "pode ir, no dia em que você conseguir fazer todo o processo sozinha, porque eu não posso te ajudar". Meu mundo caiu! Como é que meu pai estava desmontando meu sonho? Por que ele foi tão rude? Por que ele me negou ajuda? Estas e tantas outras perguntas só foram respondidas quando seu último olhar, no auge dos meus vinte e seis anos, em frente ao portão de embarque, me disse em silêncio "eu sempre soube que você conseguiria".

Não fui capaz de entender, aos quinze anos, que o que ele fez foi pelo simples motivo de ele ser pai. Ele já sabia o que era melhor para mim. Ele me conhecia mais do que eu mesma. Ele sabia que aquela não era a hora de me deixar partir, porque eu iria me machucar. Hoje, eu sou muito grata pelo que ele fez, pelo que ele é, pelo que me transformei.

Já não sou mais a mesma menina de vinte e seis anos que embarcou naquele vôo no dia 23 de Outubro de 2011. Ao longo destes dez meses, muitas coisas aconteceram, muitas mudaram, muitas vieram à tona e, aos poucos, eu descobri quem eu sou. Pouco a pouco, eu também entendi quem é meu pai.

Vejo ele em muitas das minhas atitudes com as crianças. Às vezes estou com o coração em migalhas por ter dito não ao pequeno, mas por fora eu continuo séria, mantenho a palavra, não esmaeço. Este não sou eu, é meu pai. E esta é uma das razões que me fez escrever este post.

Neste final de semana passei por um pequeno acidente, destes corriqueiros, os quais acontecem com toda criança saudável. Os três estavam correndo e brincando pela casa, no sábado de tarde, sob minha responsabilidade. De repente, a menina do meio subiu do basement para a cozinha, gritando por ajuda, dizendo que o nariz estava sangrando. Parei o que estava fazendo, e a levei ao banheiro. A mais velha ficou nervosa, mas quando viu que eu já estava tomando conta da irmã, subiu para o quarto dela. O pequeno ficou desesperado ao ver a irmã sangrando, gritava e corria em volta da gente.  Eu, calma, ajudei minha pequena a se limpar, peguei um copo de água para ela beber, e fui com ela até o sofá, para ela sentar-se e acalmar-se, porque tudo estava sob controle, ela não se sentia mal, mesmo ainda tendo o pequeno correndo e gritando. Eu estava tranquila, não levantei a voz, nem mesmo pedi para ele parar a bagunça. Quando ele viu a irmã calma e sentada no sofá, ele também se acalmou e ficou do lado dela, vendo TV. O silêncio pairou pela casa. Respirei fundo. Eu havia agido, naquele momento, da mesma forma como meu pai agiu quando eu quebrei meu braço. Eu, sou ele.

Eu não fazia ideia do que era a vida sem meu pai. Eu não sabia que eu tinha ele em mim muito mais do que eu pensava. Eu nunca pude imaginar que ele seria tão presente na minha vida, quando distante.

Aqui eu sou minha mãe, quando acolho, cozinho, abraço, beijo, ouço histórias. E sou também meu pai, quando dou bronca, sou forte, conserto, salvo. Eu sou muito mais eles do que eu mesma. E tenho orgulho do que me tornei!

Pai, mãe, obrigada por permitirem que eu exista. Amo vocês!

Comentários

  1. Carambaaaa, nem tem muito o que dizer.
    ótimo, sensacional.

    Muito bom sentir orgulho dos pais e saber que eles sentem orgulho da gente.

    Parabens pelo posto

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    1. Obrigada! =)

      Ter uma boa relação com a família, para mim, é algo que não tem preço. Eu não me vejo sozinha no mundo, eu sempre me vejo parte deles. E isso dá um "up" pra enfrentar este jogo chamado vida! ;)

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  2. Que texto lindo! Confesso que tive que dar uma segurada para as lágrimas não caírem. É bem assim mesmo! Acho que deve ser essa a fase em que estamos "virando gente grande". =] Gosto muito do seu blog. Pretendo ser au pair daqui a um ano e tem um montão de coisas que vocÊ escreve que estão guardadinhas em mim para quando chegar minha vez. =]

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    1. A coisa mais gostosa da vida de au pair é descobrir quem você é. "Virar gente grande" é a melhor das etapas! Você descobre tudo aquilo que é capaz de fazer, mas que nem fazia ideia. Sair de casa é uma mudança da sua vida como um todo. =)

      E muito boa sorte na sua jornada! Espero conhecer as suas histórias também! :D

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  3. Caramba que texto lindo!!! Acho que isso é "virar gente grande"!! Lindo, lindo post. Engraçado que quando disse que queria viajar, fazer intercambio, meus pais me disseram a mesma coisa, que eu teria que fazer tudo sozinha.Também não entendi, fiquei com raiva, mas agora, no processo, estou percebendo que é no "conseguir tudo sozinha" que nos preparamos para a jornada que tanto queremos.
    Pretendo ser au pair daqui a exatamente um ano e venho lendo seu blog a um tempinho coletando as informações que me serão super valiosas quando minha hora de ser au pair chegar. Muito obrigada pelo que você tem compartilhado. =]

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